METRONOVELA – A MINHA! MAROLAS E LENDAS – parte 3

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Marolamos por muitos dias, naquela embarcação enorme e apinhada de gente misturadas à malas, redes e alguns engradados, sabia-se lá com o quê.
Sequer imaginava o sotaque que o destino me reservava, com certeza já não seria natural de lugar nenhum. Deixei o estirão do equador pra não ter um lugar pra chamar de meu. Cidadã do mundo era o que eu me tornaria a partir de então.
Navegávamos durante o dia, e ao pôr do sol por medo das piranheiras, que são aqueles enormes troncos submersos, e de madeira muito dura capazes de afundar uma embarcação, encostávamos em uma das margens para passar as noites. Nos primeiros albores do dia, seguíamos nossa viagem lenta, cansativa e enjoativa, por aquelas belas paisagens. Muitos sons se misturavam ao do motor do barco e ao rangido das redes…cantoria, choros, orações e infinitos contos sobre lendas amazônicas, que eram um verdadeiro bálsamo para tantos corpos já cansados. Zéquinha se mantinha forte, apesar de ainda sentir os efeitos por ter sobrevivido à várias malárias, e minha mãe interagia com todos, na lida pela sobrevivência. Não tínhamos que sobreviver somente aos naufrágios tão comuns nos grandes rios, e sim às doenças causadas por insetos, deterioração dos alimentos, e até à escassez deles.
Todos os temores eram infinitamente menores do que os encantos do Rio Amazonas, com sua imensidão e beleza. O colorido do céu se unindo às suas aguas lá onde a terra faz a curva, a paleta de mais de mil tons de verde nas suas margens, o show dos encontros das aguas a cada novo desembocar de seus afluentes, o canto e o voo de seus pássaros sobre nossas cabeças, tornavam a nossa jornada mais leve.
Vez ou outra podiam ser vistos, misturados à paisagem, cardumes de grandes peixes e também os lendários Botos Cor de Rosa.
Contavam, que um boto cor-de-rosa saía dos rios amazônicos nas noites de festa junina. Com um poder especial, se transformava num lindo, alto e forte rapaz vestido com roupa social branca. Ele usava um chapéu branco encobrindo o rosto e disfarçando seu grande nariz. Ia a festas e bailes noturnos em busca de jovens mulheres bonitas. Com seu jeito charmoso, galanteador e falante, o boto aproximava-se das jovens desacompanhadas, seduzindo-as e convencendo as mulheres para um passeio no fundo do rio, local onde as engravidava. Voltando a ser um boto na manhã seguinte. Também contavam que o boto ajudava os pescadores, conduzindo suas canoas até as margens em dias de tempestades, e que salvava os ribeirinhos de afogamento.
Entre uma lenda e outra, gritos anunciavam que uma criança chegará ao mundo, ali…bem ali no nosso barco. Mais um destinado a carregar o nome Do Amazonas por toda a sua vida. Como minha irmã, a segunda das filhas, o haveria de fazer.
Quantos encantos sendo deixados para traz, por um destino incerto.
Muitas vezes durante as tardes de contação de histórias largados pelos chãos das varandas, podía ver lagrimas nos olhos do Zéquinha, sempre que o assunto era o Estirão do Equador.
Ficávamos, cristalizadas entre um sorvete de abacate ou outro caseiro qualquer, só ouvindo em silêncio, as aventuras vividas no Estirão do Equador, das quais nada eu me lembro mas que sinto uma saudade inexplicável.
Parecia ser aquela viagem, de uma perna só, como realmente fôra. Nunca mais voltamos naqueles confins.
Nossa embarcação seguia firme o seu curso, com destino ao porto de Manaus
Seis longos dias de uma viagem pra jamais ser esquecida e levantamos nosso acampamento com nossas redes e pertences. Até nunca mais!
AF

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