Em uma das mãos segurava um pequeno bloco para anotações, algumas páginas com endereços que eu deveria visitar, como também o lugar exato onde seria o meu encontro com o nu mais desejado da minha vida.
Estava em Firenze pela primeira vez , zonza e atordoada de emoção, vagava por suas ruas sem deixar passar sequer um detalhe de suas fachadas. Tudo cheirava a arte, mas sonhava mesmo era com o branco gélido de seu corpo no qual eu sabia…jamais tocaria. Entre uma pasta regada a um bom vinho e olhares que pareciam aprovar a minha brasilidade, mantinha o coração no compasso de espera.
Sonhei desde criança encontrar-me com a versão do herói bíblico talhado em mármore, o filho do altruísmo…absorta em minha paixão pelo renascentismo, havia passado muitos anos a espera daquele que é especial por ter como autor, o que criava apenas com a intenção de chegar a perfeição. Eu sem pressa alguma, cheia de amor pela arte, poderia ficar dias a espera do meu tempo com a minha esperada e inerte paixão, símbolo máximo da República de Florença. Aquele que havia levado três anos para então ficar pronto ou nascer, em hum mil quinhentos e quatro, no dia oito de setembro. Somos virginianos.
Perambulei por vezes pela Piazza de La Senhoria namorando sua réplica. Era como esboçar uma emoção que de nenhuma forma conseguiria ser mensurada, e nem comparada a outras. Davi é a própria lição de como sonhar, e lapidar o sonho, apenas com um martelo e um cinzel.
Pelas ruas de Firenze, a diversidade cultural e étnica caminhava ao meu lado, e em meio às suas pontes, esculturas e piazzas, fazia amigos vindos dos quatro cantos do mundo. Todos nos transformávamos em fotógrafos, cicerones, tradutores enfim…era quase um vale tudo.
Já era passado dois dias com meu ingresso para a Galleria Dell’Accademia guardado a sete chaves, e ainda deveria esperar mais dois, tamanha a importância de Davi, que também é um símbolo do amor…dizem os Florencianos que depois de cortejar uma dama de todas as formas, o jeito é levá-la à Piazza de Michelangelo e arriscar sua última cartada, porque quando uma mulher resiste às juras de amor mediante a beleza do neo-classicismo de Giuseppe Poggi, então meu amigo, deverás esquecê-la.
Foram dois dias de muitas atividades, afinal Firenze é a capital mundial da arte…Davi é seu símbolo máximo…dono de um olhar empafioso, desafiador e sabedor da vitória.
Coração disparado eu eu seguia quieta e nervosa na fila de entrada. Ali podia se ouvir risos misturados a dezenas de idiomas, ternos de braços dados a indumentárias carnavalescas, e enfim…todo tipo de diversidade que na verdade me encanta. Chegada a minha vez de colocar os pés em sua casa, agradeci ao mestre e entrei, degustando cada uma de suas esculturas, ignorando a luz vinda do céu pela abóbada sobre sua cabeça. Guardei para ele o meu maior tempo.
Parecia uma terapia de mil anos condensada em momentos, uma verdadeira concessão ao prazer ficar ali estática e devota, tentando olhá-lo através de seus próprios olhos por horas, contemplando cada centímetro dos seus hábitos espartanos e suas veias que me encantara à distância por tantos anos.
Na dialética entre a alegria do encontro e a dor da separação, fiz minhas juras e parti a procura de pão e um bom vinho branco de Trebianno.
AF

EU…E MINHA PAIXÃO POR DAVI
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