Em meio a dunas gigantes que se movimentam varridas pelo vento, planícies estéreis, nenhum rio e nem lago, observo um ocaso róseo avermelhado seguido de um céu tão estrelado, de tamanha magnitude, que chego a pensar se seria tão bom este mundo para que eu não desejasse estar entre as estrelas. Ali largada sobre grandes almofadas cobertas por velhos tapetes persas, percebo que sou observada por um grupo de umas cinco mulheres usando niqabs pretos. Ora, pensei…o que estaria eu a fazer de errado, pra merecer tamanha atenção daqueles olhos curiosos a me olhar por entre fendas?
Me levantei dando passos vagarosos na areia fofa, tomando o rumo de uma pequena tenda onde serviam cafés com tâmaras, ainda tentando decifrar aqueles olhares orientais que insistiam em me perseguir. Havia neles uma certa aridez desértica, um certo abandono, uma distância explícita da liberdade, e talvez fosse isso o que observavam. Ou seria a brisa fresca a movimentar meus cabelos, o frescor das minhas vestes ocidentais, ou até como eu podia sorrir de tudo, com tudo e para todos, sem o menor pudor.
A porta do dia se fechava em um espetáculo tão maravilhoso, que fazia com que minhas pupilas dilatassem e meu coração aplaudisse.
Podia ouvir murmúrios e palavras proferidas por aquelas mulheres guardadas nas profundezas de suas vestes pretas, que ora se agitavam, e na maioria do tempo pareciam folhas secas tremulando com a brisa.
Me deitei novamente, e dessa vez deixei que minhas mãos tocassem a areia morna, e meus olhos amortecessem no firmamento. Em meu peito um sentimento esmigalhado e cheio de dúvidas, se debaixo daquelas vestes pretas havia amor, amor de verdade, amor libertador, aquele disseminador, o que resiste ao tempo. A essa altura eu já represava algumas lágrimas, talvez por ter lido em papéis empoeirados encontrados em uma gaveta do hotel, como eram suas leis com essas dadivosas mulheres árabes. Ceifadas do amor liberto, aquele sem raça, credo e nem cor. Está em todos os manuscritos bem claro que são ceifadas do amor liberto mesmo antes de existirem. Chorei por instantes, por elas…indagando o por quê. O destino que nos cruzou naquele momento me trazendo tais sentimentos, traçava a bel prazer linhas confusas em minha mente, misturando-as ao belo som de uma música entoada que mais parecia um hino de amor. Decidi levantar e tentar me juntar a elas. Levantei a cabeça, e como se tudo aquilo tivesse sido só uma miragem, haviam desaparecido como uma centelha dissipada no ar. Relaxei, contemplei o oriente em oração, e voltei à vida.
AF

CORAÇÃO DE AREIA
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