O prazer de protagonizar espaços de tempo, assistindo a movimentos e momentos inesquecíveis, vivendo épocas que jamais se repetirão, nos faz agradecer o envelhecer,…foi assim
Verão de hum mil novecentos e setenta e dois, sob o céu e o sol escaldante de Olinda, cenário perfeito para sofejar Goodbay Yellow Brick Road, e desfilar meu esboço esquelético de mulher em um abusado duas peças, que conhecia todos os meus mais profundos desejos púberes. Na cabeça muitos cachos soltos e pensamentos que fluíam como o vento, totalmente descompromissados, bem no estilo Black Power. No coração, uma saudade que se desfazia dia a dia, de terras distantes que guardavam muitas histórias. Melancolia era o que eu sentia por vezes, misturada a ambiguidade da dúvida entre o prazer de me tornar adolescente e a vontade de encolher os ossos e voltar à infância. Um verdadeiro vulcão de sentimentos.
Roupas coloridas e psicodélicas, estampas florais que me dava um toque romântico, misturado a tudo que em mim crescia supostamente de forma desordenada, pé na areia, e aos poucos a descoberta de um mundo que nem de longe caberia nas minhas tardes rodeadas de bonecas, nos jogos de rua e no tempo da inocência. Eu estava ali, entre o Centro Histórico e Casa Caiada…era no Bairro Novo que tudo acontecia. Nas tardes de sábado, lá na Palhoça do Zé Pequeno, me misturava a um eclético publico para ouvir Moraes Moreira, dividir os acordes com a Banda de Pau e Corda, sem reserva, ingresso e nem mesmo cadeiras. Sentávamos todos …por ali. Pelo ar, um cheiro esquisito, que em nada me agradava e nem parecia com os incensos que tanto apreciava. Definitivamente estava decretada a minha distancia da canabis. Mas era tudo arretado!
Enquanto a televisão colorizava e encantava com sua primeira telenovela em cores, me aprazerava mais conhecer a história de Lampião, sua paixão por Maria Bonita, e do bando da terra “onde a faca dança e roda, corta e mata gente”!
O movimento hippie explodia, era um verdadeiro cataclisma que acabava com a paz dos pais, que redobravam a vigilância sobre suas donzelas e moçoilos, suscetíveis a um sentimento sem volta por aquela liberdade traduzida em cores, drogas e sexo livre. Confesso, que aqueles cabeludos, usando mortalhas, calças boca de sino e tamancos, me arrancavam suspiros. Quando Baby chamou sua filha de Riroca, foi como um bálsamo pra minha mente e toda estranheza do meu Arilmey, até então só comparável aos quase homônimos das minhas irmãs. Na dúvida eu era a numero três, que é múltiplo de nove…meu algarismo da sorte.
A vida seguia dia a dia leve, dividida entre visitas aos centros históricos e cidades turísticas como Caruaru e a Ilha de Itamaracá, mergulhos profundos, passeios pelos corais, incansáveis braçadas mar a dentro, com o velho Samburá como pano de fundo, fincado em sua rocha. Amante do mar, conhecia cada movimento, e a cada acordar, sabia exatamente que extensão de praia encontraria, e que calmaria ou fúria iria enfrentar. Eu acredito na influencia dos astros nas marés.
As noites eram quentes e iluminadas, regadas a muitos sucos exóticos como, graviola, sapoti, umbu, seriguela, e muita conversa nas calçadas com um cacho de pitomba sempre a mão. Numa dessas noites de luar em uma roda de ciranda na praia, vivi a experiência do primeiro beijo, roubado mas não menos prazeroso, afinal o menino era lindo e tão jovem como eu. Atendia pelo nome de Carlinhos e o apelido de Paulista, tinha uma mãe cantora, que adorava exibir seu único LP e uma irmã que fugia insistentes vezes com os hippies. Esse beijo foi um segredo guardado até este momento em que vos escrevo.
Condenada a perder o ano de escola, pela chegada tardia e total desconhecimento do idioma francês, levava a vida literalmente na flauta, descobrindo os prazeres da adolescência, praticando novos esportes e cantando, cantando muito…
Minha alma adolescente estava sempre sentindo falta de alguma coisa, eu passava com meus passos inquietos e silenciosos pelas ruas, sem me fazer ver por muitas vezes. E nessa calada eu amava solitária, os meus brinquedos da infância e meu mundo novo.
E chegou o carnaval…era uma loucura, toda aquela parafernália colorida e cheia de nudez, seios à mostra, homens vestidos de mulher no bloco das Virgens de Olinda, tudo tão diferente dos bailes de salão, que naquele momento parecia que eu carregava o peso do mundo nas costas. Ah! Que delícia, era o total despertar. Acertava minha voz para cantar, desprezava a ternura, descompassava o coração e ouvia ao fundo um relógio, um apito que lembrava a hora certa da entrada e da saída.
Contado era o tempo naquele paraíso, que podia durar meses ou talvez alguns poucos anos.
E foi assim, com um frevo ainda fresco, marcando compasso no meu coração adolescente que tive que partir.
Guardadas para sempre as subidas e descidas de suas ladeiras, suas areias, sua música e seu povo.
Naquele momento, as palavras que perdiam o sentido diante das lágrimas contidas na saudades que iria sentir, se misturavam com ânimo ao novo chamado da vida.
Nunca nos perdemos no tempo, em Olinda aprendi que cada recomeçar tem seu encanto…
AF
Nesta foto a nossa rural azul e branca.
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